Carlos Núñez, Pedro Jóia
e Realejo - Três grandes momentos no Festival
"Outono em Lisboa" Vistos
e revistos por João Maia
A terceira edição do Festival Outono em Lisboa decorreu na área aberta do Parque das
Nações, de 29 de Outubro a 7 de Novembro e serviu como mais um meio de divulgação de
outras músicas. Com efeito, os lisboetas que se deslocaram à tenda montada no Parque das
Nações tiveram, nos dias 3 e 4 de Novembro, oportunidade de ver o galego Carlos
Núñez, e os portugueses Realejo e Pedro Jóia.
Carlos NúñezComeçando
por Carlos Núñez, pode-se dizer que quem saiu de casa na noite de quarta-feira, dia 3,
com destino ao Parque das Nações, não se arrependeu. Quem conhece os álbuns de Carlos
Núñez ("A Irmandade das Estrelas" e "Os Amores Libres") sabia de
antemão que a recriação dos temas ao vivo se avizinhava complicada pois Núñez
não teria nunca hipótese de reunir em palco a parada de estrelas que desfilou nos seus
álbuns. No entanto o músico soube contornar o problema contagiando (e de que maneira) o
público presente com o seu virtuosismo a tocar gaita de foles e flautas (também deu um
"cheirinho" de ocarina, mas apenas em um dos temas). Mesmo nas músicas que nos
álbuns são cantadas por nomes como Teresa Salgueiro, Dulce Pontes, a israelita Noa, ou o
escocês Mike Scott (dos Waterboys) houve o cuidado de fazer alguns arranjos de modo a que
ficassem bem quando tocadas sem o acompanhamento vocal. A acompanhar as gaitas e flautas
de Núñez estiveram um bouzouki, um acordeão, um violino, uma guitarra e um conjunto de
percussões (bateria, bodhran, tambor, etc.) tocado pelo seu irmão Xurxo Núñez. Este
conjunto de músicos interpretou essencialmente temas dos dois álbuns de Núñez, mas a
espaços surpreendeu o público com a sua interpretação de outros temas conhecidos no
meio folk/tradicional tais como "Women of Ireland" ou "Tune for a Found
Harmonium" da saudosa Penguin Café Orchestra. Resumindo, foi uma noite muito bem
passada.
Pedro Jóia
Em relação ao dia 4 de Novembro, e começando por Pedro Jóia, devo confessar
que não sou um grande adepto de flamenco. Porém desde que me despertou o meu interesse
pela música tradicional, tenho aprendido a reconhecer bons músicos e bons executantes e
foi isso mesmo que reconheci em Pedro Jóia. Fiquei extremamente impressionado pela sua
execução e atrevo-me a dizer que se alguém que não conhecesse o músico tivesse
entrado a meio do concerto, decerto que não se teria apercebido que o guitarrista de
flamenco era
português e não andaluz, tal era a mestria com que dedilhava a sua guitarra. Para além
dele próprio, Pedro Jóia apresentou também um conjunto de bons músicos do qual se
destacou sem sombra de dúvida o grande 'Edu' Miranda no bandolim. Houve até alturas
deliciosas em que se pôde assistir a duelos bandolim/guitarra muito, muito interessantes.
Em jeito de conclusão pode dizer-se que quem não conhece flamenco e esteve no Parque das
Nações teve em Pedro Jóia um bom incentivo para começar a apreciar este estilo de
música.
Realejo
E finalmente os Realejo, que abriram a noite de dia 4 de Novembro. Podia ter
respeitado a ordem cronológica dos concertos e ter falado neles antes de Pedro Jóia, mas
optei por deixar o melhor para o fim. A grande dúvida que me assaltou antes do concerto
foi: quem seriam os elementos do Realejo. Porque para além da alma do grupo (Fernando
Meireles e Amadeu Magalhães), este tem vindo a sofrer alterações de álbum para álbum.
Desta vez apresentaram-se em palco com um elemento no violoncelo, um elemento na guitarra,
e um elemento nas percussões, isto para além dos citados Fernando Meireles e Amadeu
Magalhães, que dividiram entre si o bandolim, a sanfona, a gaita de foles e a concertina.
Esta formação, embora nova (pelo menos para mim), foi mais uma vez digna do que vem
sendo o Realejo até aqui, ou seja, estupenda. Durante os cerca de 50 minutos que tocaram
(e soube a muito pouco), presenteram o público com temas extraídos dos seus dois
álbuns, "Sanfonia" e "Cenários", e surpreenderam-nos com cerca de
cinco ou seis temas totalmente novos, qual deles o melhor. Alguns destes novos temas eram
mais mexidos (houve um que até me fez lembrar os suecos Hedningarna), outros mais calmos,
mas todos eles foram tocados com uma mestria que, atrevo-me a dizer, não terá paralelo
em Portugal. Porque depois de conhecer os dois álbuns já lançados e depois de ver uma
apresentação ao vivo como a que vi, considero já o Realejo como um dos melhores grupos
na área da música tradicional no nosso país. Só me resta ficar ansiosamente à espera
dos próximos trabalhos discográficos deste grupo. E espero principalmente que haja uma
editora discográfica nacional (ou até internacional, porque não?) que aposte forte no
Realejo de modo a lançar este grupo como um dos maiores expoentes da música tradicional
portuguesa (excluindo o fado) no exterior. Porque estaremos a assistir a uma enorme
injustiça se isto não acontecer.
João Maia