Seixal
Sobre os participantes no
Cantigas do Maio 2001
Seixal, 24 de Maio a 2 de Junho de 2001A XII edição do Festival Cantigas do Maio, a
decorrer entre 24 de Maio a 2 de Junho no Seixal, contará este ano com a participação
dos grupos Segue-me à Capela
(Portugal), Entre Retamas
(Andaluzia), Danças Ocultas
(Portugal), Carlos Nuñez
(Galiza), Tiharea (Madagascar), Totó la Momposina (Colômbia), Djivan Gasparyan (Arménia), Ghazal Ensemble (India/Irão), Between Times (Israel/Palestina), Luzmila Carpio (Bolívia) e dd Synthesis (Macedónia).
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Segue-me à Capela
Segue-me à Capela não é um grupo profissional no sentido em que as
sete mulheres que o compõem não são profissionais da música. Todas elas têm as suas
diferentes profissões, desde médicas a magistradas, passando por farmacêuticas,
assistentes sociais ou professoras. Mas várias delas têm um ponto em comum: a sua
participação no G.E.F.A.C., o Grupo de Etnografia e Folclore da Academia de Coimbra, que
abriu as Cantigas do Maio no ano passado. É, portanto, o genuíno gosto que todas elas
têm pela música, em particular pela tradicional portuguesa, que as faz juntarem-se para
além das suas vidas profissionais e cantar.
Tudo começou em 1999, em Aveiro, pela mão de Cristina Martins, mas algumas delas já
tinham pisado os palcos ao lado da Brigada Victor Jara e do Realejo, tendo mesmo feito
estudos e concluído licenciatura em Ciências Musicais. O seu repertório é
criteriosamente escolhido a partir das recolhas feitas por Michel Giacometti, Alberto
Sardinha e G.E.F.A.C. e reparte-se pelas canções de trabalho, de amor ou religiosas.
O grupo, como o próprio nome indica, é um grupo à capella, onde a voz é o
instrumento principal, muitas vezes acompanhada pelo adufe, a pandeireta, as
pinhas ou as castanholas e também pelo percussionista Quiné, músico profissional, que
estudou no Conservatório do Porto e com Rui Júnior.
Segue-me à Capela é pois um grupo recente, sem disco editado, mas com presença em
vários festivais, nomeadamente no de Segóvia do ano passado, onde surpreenderam pela
qualidade e beleza das suas vozes, que brilharam sobretudo nos cânticos religiosos e que
encantaram o público e a crítica.
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. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Carlos Nuñez
Carlos
Núñez não é um desconhecido do público das Cantigas do Maio. Visitou-nos pela
primeira vez em 1993 como membro do grupo galego Matto Congrio (grupo este que voltou ao
Seixal três anos mais tarde com uma outra formação e um outro nome, Berrogüetto), que
viria depois a abandonar para seguir uma carreira a solo.
Hoje Carlos Núñez é uma estrela internacional, com tournées pela Europa, Japão,
Estados Unidos da América, que pisou os palcos mundiais sózinho com a sua banda, mas
também ao lado de outras estrelas como os Chieftains, Linda Ronstad, Ry Cooder, Sharon
Shannon, Bob Dylan, The Who, Lou Reed. Apesar disso, Carlos Núñez não esqueceu as boas
recordações que as Cantigas do Maio lhe deixaram quando era ainda um jovem músico
desconhecido do mundo e fez questão de voltar ao público do Seixal.
Nascido e criado em Vigo, uma cidade de músicos, festas e festivais, Carlos Núñez
começou aos oito anos de idade com uma flauta e uma gaita compradas pelo pai. Estudou no
Conservatório da cidade (onde viria depois a ser professor), a Universidade Popular de
Vigo deu-lhe a conhecer construtores e investigadores de instrumentos musicais,
despertando-lhe o interesse pelos medievais e, apenas com treze anos de idade, participou
como solista numa orquestra sinfónica no Festival Intercéltico de Lorient, estava-se em
1984. No Conservatório de Madrid aperfeiçoou a sua técnica e pensou vir a ser um
músico clássico, mas o seu primeiro encontro com os Chieftains iria mudar por completo a
sua vida e a sua carreira.
Tinha treze anos quando conheci Paddy Moloney, disse-lhe que devia fazer um disco
com as músicas da Galiza e ele deu-me ouvidos. A partir daqui tudo se altera. Vai
para a Bretanha aprender a técnica da gaita escocesa e realiza o seu primeiro concerto
com os Chieftains na Galiza, tinha dezoito anos. Começa então uma colaboração estreita
com esta banda mítica (são mais de cem concertos nos Estados Unidos e no Japão) sendo
Carlos Núñez designado como o sexto Chieftain.
Em 1996 deixa o Conservatório de Vigo, onde leccionou durante seis anos e decide começar
uma carreira profissional a tempo inteiro. Edita finalmente o álbum dos seus sonhos,
Brotherwood of Stars, onde intervêm cerca de cinquenta músicos (entre os
quais a Vieja Trova Santiaguera e Kepa Junkera que publicaria em 1998 Bilbao
00:00H, um projecto com muitos pontos de contacto com este) e de que é produtor
juntamente com Ry Cooder e Paddy Moloney.
Neste disco quis apresentar as principais conexões existentes na nossa música. A
Galiza é a Bretanha espanhola com quatro influências: a primeira é a influência
céltica que é hoje evidente para toda a gente. A segunda vem-nos de determinados países
da Europa. Graças aos Caminhos de Santiago recolhemos influências trazidas pelos
peregrinos da França, mas também da Alemanha. A terceira é a América do Sul e as
Caraíbas e esta é muito recente devido, entre outras, à emigração galega para
Cuba.
Depois de Brotherwood of Stars, que foi disco de platina e é ainda hoje
considerado um clássico, viria em 1999 Os Amores Libres, que lhe traria
vários prémios. Neste seu segundo álbum explora os pontos de contacto da música galega
com o flamenco, contando nomeadamente com a participação de Vicente Amigo e da poesia de
Lorca.
Em 2000 é a vez de Mayo Longo e de Hector Zazou colaborar (entre muitos
outros), sendo a última faixa, Aires de Pontevedra, uma gravação ao vivo
com a fabulosa Bagad Kemper, que esteve presente e deslumbrou, na edição anterior das
Cantigas do Maio.
Carlos Núñez não é apenas um exímio, um dos melhores gaiteiros do mundo, ele é
também um virtuoso da flauta e durante os seus espectáculos passa de um instrumento para
o outro com um à vontade e confiança que só os grandes possuem.
Acompanhado por Xurxo Núñez na bateria e percussão, Pancho Álvarez no bouzouki, Paloma
Trigas e Begoña Riobo no violino e Jose Vera no baixo, Carlos Núñez vai levar-nos numa
viagem pelos seus três álbuns, fazendo-nos participar também da emoção, da
sinceridade e do empenho que põe e que transparecem imediatamente para o público, sempre
que sobe a um palco.
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. . . . Tiharea
Tiharea
é um grupo recente com apenas três anos de vida e um só Cd com o mesmo nome gravado no
ano passado.
Tiharea são três irmãs, Talike, Vicky e Delake, que cantam desde crianças.Nascidas no
sul de Madagáscar, em Ifotake, cresceram com a música à sua volta: todas as noites o
pai pegava no acordeão e a mãe, rodeada dos seus nove filhos, cantava as canções que
aprendera também ela enquanto menina. Mais tarde, já adolescentes, as três irmãs
fizeram parte de um coro que actuava nas cerimónias religiosas e sociais de Ifotake e em
1985 ganharam o festival de Fort-Dauphin.
Depois as suas vidas tomaram rumos diferentes, para se reencontrarem anos mais tarde
casualmente na Europa. Foi então que decidiram juntar-se de novo, desta vez como Tiharea
e começar uma carreira profissional internacional.
Madagáscar é uma ilha no Índico frente a Moçambique, com 1.600 km de comprimento,
geograficamente muito contrastada. Percorrendo-a de lés a lés encontram-se desde densas
florestas a desertos onde só os cactos crescem, desde montanhas que quase chegam aos
céus a praias orladas de palmeiras.
O povo Antandroy é conhecido pela qualidade excepcional das suas vozes e
técnicas de canto, donde se destaca o rimotsy, normalmente executado apenas pelos homens,
mas que as irmãs Tiharea também praticam. Cantam de tal forma que às vezes parece
estarmos a ouvir seis ou sete vozes e não apenas três. O seu estilo de canto de garganta
aberta, confere às vozes uma qualidade selvagem em simultâneo com uma intimidade e uma
suavidade que nos lembram o canto das mulheres búlgaras. Mas quando as irmãs Tiharea
começam com a percussão usando o langoro (um tambor) e as mãos para um complexo bater
de palmas, aí transformam-se num grupo de cantoras percussionistas e então percebemos
que estamos realmente perante África.
As suas canções falam-nos da circuncisão como símbolo de virilidade e de
poder, do casamento forçado de uma jovem, da saudade da terra natal, da ringa (um combate
entre dois homens que tem lugar na lua cheia, em que o canto das raparigas katrehake
serve de incitamento à luta, tendo no final o vencedor direito a escolher uma
rapariga para passar a noite consigo) e ainda da beleza e crueldade da vida e da sabedoria
em saber vivê-la.
Para o público das Cantigas do Maio, Madagáscar não é completamente desconhecido, pois
foi em 1996 que Njava, também um grupo de irmãos do sul, nos proporcionou um dos
melhores concertos desse ano, que certamente ainda hoje permanece na memória de quem o
presenciou.
Desta vez subirão ao palco apenas três vozes femininas, que encherão de
música o chapiteau, agora ainda maior, das Cantigas do Maio.
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. . . . Totó
la compostina
A cumbia
é uma mestiçagem resultante da interacção dos ritmos índios com os dos escravos
africanos, sendo a dança um bom exemplo desse casamento, visto pensar-se que ela
representa a corte feita por um africano a uma mulher índia. Crê-se que o próprio nome
deriva da dança guineense cumbe, embora alguns estudiosos defendam que ela tem origem nas
cerimónias fúnebres das tribos do Caribe, os areitos.
Os grupos tradicionais de cumbia tinham apenas percussão e voz, mas sobretudo a partir
dos anos 40, quando deixaram as zonas rurais e chegaram às cidades, evoluíram para
bandas com trompetes, saxofones, trombones, maracas, gaitas, guacharas, guitarras, tal
como a que Totó la Momposina nos traz esta noite.O seu espectáculo dá-nos a conhecer
não só a cumbia, mas também uma série de outros ritmos que lhe estão próximos: o
mapal, o merengue, a puya, a salsa.
Hoje reparte o seu tempo entre o Reino Unido e a Colômbia e está envolvida num projecto
de investigação, preservação e ensino da velha música colombiana, que corre o risco
de desaparecer e de ser substituída por uma nova comercialmente mais atractiva.
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Djivan Gasparyan
De
acordo com a lenda, os arménios ter-se-iam apresentado perante Deus já depois de este
ter concluído o povoamento da terra. Lamento mas restam apenas estas pilhas de
pedras, disse-lhes Deus. Os arménios tiveram assim que se contentar com essa terra
austera e acidentada nos contrafortes do Cáucaso, sempre coberta de neve, hoje uma
república independente da ex-U.R.S.S.
Para Djivan Gasparyan, o mais famoso músico da Arménia, esta é uma das
razões pelas quais o duduk tem um som tão melancólico e triste. A outra tem a ver com a
história trágica deste povo, sempre submetido ao longo dos séculos por impérios
fortes, tragédia que culminou com o primeiro genocídio do século XX perpetrado pelo
Império Otomano em 1915 e que levou ao desaparecimento de um milhão e meio de arménios.
Esta data pôs fim à Arménia ocidental, originou a anexação pela Turquia de uma parte
considerável dos seus territórios e iniciou a diáspora do povo arménio, sobretudo em
direcção à América.
A diáspora, outra razão que explica o som meditativo e sofredor do duduk, um dos mais
antigos instrumentos de sopro do mundo, com uma sonoridade semelhante à do clarinete, que
se supõe ter cerca de mil e quinhentos anos. Feito de madeira de pessegueiro, uma árvore
mítica que os arménios crêem ser originária do planalto de Ararat, o duduk era a
flauta dos pastores. Graças à mestria de
Djivan Gasparyan este instrumento simples e rudimentar é hoje reconhecido
internacionalmente e já se fez ouvir na companhia de orquestras e músicos célebres.
Mas o que o torna tão especial é a maneira como é tocado, a sua técnica de
respiração contínua, que Djivan Gasparyan aprendeu muito novo. Começou com o pai,
tinha apenas seis anos, embora o que o tivesse marcado e feito avançar na aprendizagem do
duduk fosse o cinema. Ficava fascinado com os músicos que acompanhavam o filme, que em si
mesmo pouco lhe interessava e com a capacidade que tinham de tocar, apenas com o duduk,
melodias românticas, tristes ou alegres conforme as cenas.
Com apenas entre 25cm a 40cm, uma palheta dupla, oito orifícios para os dedos e
um para o polegar na parte inversa que pode modificar a escala numa oitava, o som grave,
melancólico e etéreo que produz é fruto principalmente da mestria de quem o toca, da
sua agilidade de dedos e da sabedoria do sopro. É um instrumento extremamente difícil de
tocar, que só um treino quotidiano e persistente consegue trazer à superfície a sua
alma, a alma do povo arménio.
Djivan Gasparyan consegue-o e prova-nos como um simples instrumento de pastor pode
interpretar para além dos temas pastoris, música medieval, ou os antigos hinos sagrados
da liturgia cristã arménia. As suas interpretações não se limitam a preservar o
património, testemunham também um desejo de ir mais longe, pois Djivan Gasparyan é
também cantor, compositor e responsável pelo duduk baixo, uma novidade desenvolvida por
si.
Hoje Djivan Gasparyan tem uma carreira nacional e internacional sólida, com
colaborações em várias bandas sonoras (contam-se entre outras a de A Última
Tentação de Cristo, A Casa da Rússia e a última para o recente
O Gladiador), com participação como solista em concertos do Kronos Quartet,
da Orquestra Filarmónica de Los Angeles, da Orquestra Filarmónica de Yerevan, a capital
da Arménia e sete álbuns editados, donde se destacam I will not be sad in this
world de 1989, dedicado aos seus compatriotas vítimas do terramoto e Heavenly
Duduk, o seu último trabalho de 1999. Mas o que mais o enche de orgulho, é o seu
trabalho como professor no Conservatório de Yerevan durante trinta anos e a consequente
formação de mais de setenta músicos profissionais de duduk.
Acompanhado por Ararat Dalakyau no duduk baixo e Ashot Ghazaryan no duduk e dhol
(percussão), vamos poder presenciar um ensemble tradicional arménio, tal como se
apresentava há séculos atrás nas cerimónias religiosas ou nas festas tradicionais da
Arménia.
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Ghazal Ensemble
Na
tradição persa, o ghazal é um género específico de poesia - lírica - que se
caracteriza por uma combinação pouco comum entre uma espiritualidade extática e os
desejos terrenos, o amor divino e o amor erótico.O ghazal espalhou-se por toda a Arábia,
Pérsia e Turquia, sobretudo nos séculos XIII e XIV e deriva de uma palavra árabe para
designar o amor, tanto a canção como o poema. Na Índia o ghazal evoluiu para uma forma
de música semi-clássica muitas vezes baseada nas ragas, que nos dias de hoje toma a
forma de uma balada de amor e que se mantem popular sobretudo entre os Hindus do norte,
embora a indústria cinematográfica lhe tenha conferido uma amplitude nacional. Ghazal
foi por tudo isto o nome escolhido para esta colaboração entre um músico iraniano
Kayhan Kalhor e um músico indiano Shujaat Husain Khain.
O Ghazal Ensemble cria, ou antes recria, a ponte musical entre estes dois países,
alicerçando-se no estudo e na investigação das suas músicas, mas sobretudo no
espírito e na vontade de fazer música no momento e com o coração.
A música clássica iraniana é muito improvisada, mas essa improvisação está
firmemente enraízada no repertório clássico, cerca de duzentas peças, que o músico
deve memorizar ao longo dos seus anos de treino e aprendizagem.
As capacidades de improvisação destes dois músicos, que fazem com que cada actuação
seja única e irrepetível, são imediatamente perceptíveis pelo público, bem como a
comunicação que se estabelece entre ambos. O sitar de Shujaat Husain Khan e o kamancheh
de Kayhan Kalhor estabelecem um diálogo entre si que nos lembra a essência criativa do
jazz.
Kayhan Kalhor é um virtuoso do kamancheh persa, o antepassado do violino ocidental, que
se crê ser anterior ao século X, data das primeiras referências escritas a este
instrumento musical. Após a invasão da Pérsia pelos árabes, o kamamcheh chegou à
China pela rota da seda onde é conhecido por erhu, à Ásia Central, ao Médio Oriente,
aos Balcãs. O kamancheh é um dos instrumentos clássicos persas mais dificeis, que deve
ser tocado na vertical como um violoncelo, estando o músico sentado sobre os joelhos.
Kayhan Kalhor nasceu em Teerão em 1963 e começou por aprender violino, mas ao ver na
televisão o grande mestre do kamancheh, Ostad Asghar Ali, decidiu começar a aprendê-lo.
Tinha então 15/16 anos e praticava dezoito horas por dia, mas os seus estudos musicais
tinham começado com Ahmad Mohajer quando tinha apenas 7. Aos 18 já recebera por duas
vezes o Prémio Nacional de Música e mais tarde compôs, gravou e tocou pelo mundo fora
com algumas das figuras mais importantes da música clássica iraniana. Depois de ter
abandonado o Irão em 1981 a seguir à Revolução Islâmica porque (...) tudo o que
pudesse ser designado por música foi posto de lado, esteve no Canadá onde estudou
música ocidental, tendo-se fixado posteriormente em Nova Yorque onde veio a gravar com o
Kronos Quartet.
A revolução iraniana, ao pôr de lado tudo quanto fosse ocidental, acabou por fazer
renascer a aprendizagem do kamancheh em detrimento do violino. Kayhan Kalhor vai
regularmente ao Irão onde ensina o kamancheh, participa em gravações de outros músicos
e pesquisa a música tradicional, incidindo o seu último trabalho Night, Silence,
Desert na região de Khorasan no nordeste do Irão.
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Between Times
A
música tem essa virtualidade, a de unir povos e culturas, promover a tolerância, a
curiosidade e o respeito pelo diferente, pois uma das razões da nossa riqueza reside
precisamente na diversidade que nos rodeia.
O grupo Between Times é um exemplo, entre outros, do que atrás referimos. Sediado em
Jerusalém, é formado por árabes e israelitas, reflectindo na música que fazem, a
invulgar diversidade musical do Médio Oriente, viajando entre diferentes eras e épocas (
por isso o nome Between Times), acreditando que o diálogo musical que promovem pode ser
um contributo importante para um outro mais alargado.
Between Times nasceu em 1992 pela mão de Guy Kark. Natural de Jerusalém, estudou
composição e música clássica árabe na Academia Rubin desta mesma cidade. Ao longo dos
anos desenvolveu um estilo pessoal e único como compositor, para além de ter
aperfeiçoado o seu desempenho no alaúde e na guitarra, bem como noutros instrumentos de
cordas tanto do Ocidente como do Oriente. Tem composto também para outros grupos, para o
teatro e para a televisão e participou na fundação de outros ensembles e projectos
multi-culturais.
Nizar Rohana nasceu na aldeia árabe de Osafia. Tal como Guy Kark, estudou música
clássica árabe na Academia Rubin e musicologia na Universidade Hebraica de Jerusalém.
Começou por tocar piano, mas a descoberta do velho alaúde paterno fê-lo voltar-se para
a sua herança árabe. Hoje é professor de alaúde e de música árabe na Academia de
Música Palestiniana em Ramalla e em Jerusalém. Toca também noutros ensembles de música
árabe.
Alex Kroitor nasceu em Kishinev, na Moldávia, onde estudou violino. Aí tocou em
orquestras de música clássica, em grupos de música klezmer e em fanfarras ciganas. Em
1992 emigrou para Israel, estudou jazz na Academia Rubin e desde 1996 faz parte de Between
Times.
Iris Eyal, o único elemento feminino de Between Times, é israelita, toca vários tipos
de harpa, estudou na Academia Bezalel de Jerusalém e participa também num ensemble de
música medieval.
Erez Mounk toca uma série de instrumentos orientais de percussão, estudou música
indiana e tablas no Rajistão com Ramnarayan Bhanvat e é professor de percussão
mediterrânica na Universidade Bar-Ilan.
Todos juntos, estes cinco músicos, conseguem um som que é simultaneamente rico em
diversidade, mas claramente identificável com o do Médio Oriente.Between Times tem
actuado sobretudo em Israel, mas também fora de portas, com presença regular na Europa e
nos Estados Unidos, onde a crítica acolheu com muito entusiasmo o seu último CD
Canaan, editado em 1999, considerando-o um dos melhores do ano na área da
world music.
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Luzmila Carpio
Quando
pensamos em música da América Latina, pensamos inevitavelmente em flautas andinas,
ponchos e canto em língua espanhola. Nada disto vamos ver ou ouvir durante o concerto de
Luzmila Carpio.
Embora esteja presente a flauta acompanhada pelo tambor e pelo não tão conhecido
charango ( o único instrumento de cordas dos Andes, que é uma cópia rudimentar da
guitarra espanhola feita a partir da carapaça do tatu), o que surpreende de imediato é o
canto em língua indígena, tão raro de se ouvir, mas o que espanta verdadeiramente é a
voz de Luzmila Carpio! É uma voz sobreaguda, luminosa, de cristal, divina. É uma voz que
imita o canto dos pássaros ou das crianças. É uma voz que canta canções de embalar,
louvores à terra mãe Pachamama, ao pai sol
Tata-Inti, que se dirige às plantas, aos insectos ou às pedras do ribeiro com a
veneração, o encantamento e o respeito de um ser que se sabe parte de uma totalidade
harmoniosa. É uma voz que canta a cosmogonia do seu povo, o povo Aymara, que se eleva
acima do planalto andino, tal como o voo do condor, símbolo da sabedoria e da
resistência índias.
Luzmila Carpio impressiona também pela sua figura frágil, mas determinada, humilde,
meiga e comunicativa, que canta com o coração e que se mantém intransigentemente fiel
às suas origens. Para Yehudi Menuhin, que a convidou a participar no concerto Vozes para
a Paz em 1997, Luzmila Carpio é um violino que canta. Para Mercedes Sosa, ela
é o canto de um pássaro, um canto extraordinariamente belo.
Mas para Luzmila Carpio, cantar é cumprir um papel que está destinado à
mulher Aymara: transmitir a tradição. E como ela é orgulhosa dessa tradição!
Na sua aldeia natal Kala-Kala (pedra sobre pedra), na região de Potosi, a
4.000m de altitude, as mães cantam muito para as suas crianças. É uma maneira de não
deixar cair no esquecimento as raízes, pois um povo que não canta, que não
dança, é um povo morto, na opinião de Luzmila Carpio.
Acompanhada por Heriberto Murillo, Eduardo Sainz, Joel Flores e Guido Alcala nas
flautas, charangos e tambores, Luzmila Carpio vai proporcionar-nos um concerto que ficará
seguramente como um marco na história das Cantigas do Maio.
Embora a Macedónia, uma ex-república da Jugoslávia, já tivesse estado
presente nas Cantigas do Maio em 1997 com a Kocani Orkestar, a música que o grupo DD
Synthesis faz e que quisemos que encerrasse esta edição das Cantigas do Maio, não tem
nada a ver com a fanfarra cigana, que na altura provocou um verdadeiro
terramoto no Seixal.
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DD Synthesis
Já
por si o nome escolhido, DD Synthesis, faz alguma luz sobre o projecto destes oito
músicos profissionais, que têm como propósito combinar os sons tradicionais com
arranjos contemporâneos, de modo a criarem uma síntese cultural.DD Synthesis foi formado
em 1995, tendo editado o seu primeiro disco em 1997. Nele estava presente a riqueza
musical da Macedónia, resultante das várias identidades culturais que a povoam:
albaneses, turcos, ciganos, sérvios, gregos e mesmo uma pequena comunidade de origem
egípcia. Essa edição foi na altura um marco, pela sábia combinação do som dos
instrumentos populares tradicionais com arranjos contemporâneos e não passou
despercebida, entre outros, à editora americana Ellipsis Arts, que incluiu esse trabalho
na compilação Unblocked- The Music of Eastern Europe. A originalidade e
qualidade deste primeiro álbum levaram DD Synthesis a actuar em 1998 em vários festivais
europeus e em 1999 a uma grande tournée no Japão. O seu segundo álbum editado em 2000,
Swinging Macedonia, veio confirmar o grupo de excepção que é DD Synthesis.
Aneta Shulankovska, Biljana Ristevska e Mirjana Josheska nascidas na década de 70,
estudaram durante mais de dez anos a técnica vocal do canto da Macedónia.Vane Jovcev
estudou piano na Academia de Música de Skopje. Goce Uzunski, membro da Orquestra
Filarmónica da Macedónia, estudou percussão na mesma academia e é um dos melhores
instrumentistas de tarabuka e tapan, um tambor que no passado era usado em alguns rituais
religiosos, através do qual se comunicava com os deuses e os espíritos dos antepassados,
que dava o ritmo às danças e às canções populares e que é tocado com uma técnica
própria, provavelmente herdada do Oriente.
Marjan Jovanovski é um especialista da tambura, um instrumento de cordas muito semelhante
ao bouzouki grego, com uma longa tradição na Macedónia. No passado a tambura era
sobretudo um instrumento a solo, mas também um acompanhamento nas canções populares.
Radoslav Shutevski, o elemento mais velho do grupo, nascido no final dos anos 40, é um
dos mais experimentados percussionistas da Macedónia. Antes de se juntar a DD Synthesis,
tocou em diferentes grupos de jazz, de música pop, tradicional e clássica.
Goce Dimovski, o único elemento novo em relação à formação inicial, é um exímio
tocador de kaval, gaida e zurla. Kaval é uma flauta pastoril que se toca normalmente em
par, uma feminina e uma masculina. Enquanto um músico toca a melodia principal, o outro
acompanha-o num tom designado por bourdon. A gaida é a gaita de foles da Macedónia, de
longe o instrumento mais popular, que está sempre presente nos casamentos (o ditado diz
mesmo que casamento sem gaita não é casamento), nas festas, nos bailes e que era tocada
pelos pastores. A zurla é um instrumento de sopro normalmente acompanhado por um ou dois
tapan, que segundo alguns foi trazida da Pérsia para os Balcãs pelos ciganos e segundo
outros pelos turcos durante o Império Otomano. A verdade é que há uma técnica
oriental, que tem a ver com a respiração, para tocar a zurla e é essa técnica que é
usada na Macedónia.