Lisboa
Gardénia
A voz da alma cabo-verdiana
Lisboa, CCB -
Grande Auditório, dia 21 de Junho de 2002
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Texto Publicado na Revista FRAGATA
- Cabo Verde Airlines (2000)Gardénia
é muitas vezes apelidada como a voz de ouro da música cabo-verdiana - transitando entre
diferentes espaços e tempos, a fazer a ponte entre as ilhas e o mundo. A cantora e
compositora estará entre nós no dia 21 de Junho, no Grande Auditório do CCB.
Catorze anos depois do primeiro disco, com nove lançados até
agora, nem por isso Gardénia Benrós está a descansar. Pelo contrário, a artista cada
vez mais investe na sua carreira, e há pouco mais de dois anos criou a sua própria
editora para trabalhar pela sua voz. Mas vale a pena lembrar como tudo começou.
Nascida na cidade da Praia, ilha de Santiago, é, contudo, na
tradição da morna da ilha Brava que Gardénia vai buscar inspiração e temas para a sua
primeira gravação, de 1986, em que interpreta composições do célebre poeta e trovador
Eugénio Tavares.
Opção nada casual, já que nasceu a beber nessa fonte: a avó,
natural da vila de Nova Sintra, destacou-se no seu tempo a actuar em saraus e sessões
culturais na ilha como intérprete de mornas, e apresentava ao público as novas
criações do compositor ensinadas em primeira mão pelo próprio. A mãe, por sua vez,
desde cedo revelou voz e talento que despertaram a atenção de um dos frades capuchinhos
em missão na ilha, que lhe ensinou noções de canto lírico. Mais tarde, chegou a cantar
em emissões radiofónicas, e muito naturalmente as mornas de mestre Eugénio fizeram
parte do seu reportório.
Com esses antecedentes, nada mais natural que a jovem cantora se
inclinasse para a tradição da morna bravense no seu disco de estréia, gravado em Lisboa
com músicos como Paulino Vieira, Toi Vieira, Péricles Duarte e Tito Paris, entre outros.
Editado pela Polygram, este trabalho faz de Gardénia uma pioneira no que se refere a
trabalhar com grandes editoras, pois a maioria dos registos discográficos de música
cabo-verdiana - até hoje, mas ainda mais nos anos 70 e 80 - são edições de autor ou de
editoras sem dimensão internacional.
Dado o pontapé de saída, a música de Gardénia irá desdobrar-se
em novas perspectivas. Na sucessão de trabalhos que gravou até hoje, a tradição
cabo-verdiana aparece como herança determinante na sua formação como artista. Porém,
irá mesclar-se com elementos da sua experiência pessoal e musical - a infância em
Lisboa, a adolescência em Boston, onde estreia-se como vocalista do grupo Tropical Power,
formado por cabo-verdianos residentes nos EUA - que, naturalmente, teriam de deixar as
suas marcas.
Estudar para ser uma artista completa
Primeiro foi cantar. Depois, compor. Só no seu trabalho, "Bo Kin Cre", de 1998,
Gardénia passou para o clube dos compositores e essa aposta surge depois de ter
frequentado durante cinco anos o Berkley College of Music of Boston. "A escola
musical tornou-me completa como artista" afirma. "Agora sim, vou continuar a
desenvolver o meu estilo muito próprio, usando as influências musicais dos países por
onde vivi e vivo, mas respeitando sempre a base da tradição musical cabo-verdiana".
"Concluir um curso universitário na área musical continua a
ser raro entre as mulheres. Foi algo que me educou de forma a poder lidar com qualquer
músico do mundo. Não me importei em interroper a minha carreira para me instruir",
diz a artista. Optando pelas áreas de voz e espectáculo, Gardénia não deixou de lado
os aspectos ligados ao business. Decidida a pôr em prática os conhecimentos adquiridos,
cria, em 1998, a sua própria empresa, a Independent Talent Productions. "Hoje
consigo fazer a minha própria produção e distribuição", revela.
Gardénia tem inspirado poetas e compositores, como Manuel de
Novas, João Amaro, Teófilo Chantre, entre outros. O poeta Jomar no poema "Louvor a
Gardénia" escreve: "A cantar mornas és génia, mensageira de todos nós, tu
és bela com toda a vénia e enfeitiças com a tua voz". Ao longo sua carreira, além
de frequentes convites nos Estados Unidos, onde reside, tem percorrido inúmeros países,
encantando plateias com os seus espectáculos. Canadá, Barbados, Hawai, França, Holanda,
Espanha - além, naturalmente, de Portugal e Cabo Verde - são algumas das terras por onde
já passou.
Em 1999, uma série de apresentações em Portugal serviu para
divulgar o álbum mais recente. Cada apresentação foi um momento único de encontro com
os sons de Cabo Verde na voz ímpar de Gardénia, acompanhada por excelentes músicos,
entre os quais Toy Vieira, John Mota, Moisés, Kikas e Zé Mário. Tito Paris foi uma
presença constante e atenta, sendo ele fã incondicional e amigo da artista, tendo já
demonstrado vontade em vir a colaborar com Gardénia, uma vez mais, num futuro próximo.
Em diferentes ocasiões, tem sido acompanhada por nomes
representativos de diferentes áreas da música cabo-verdiana, que vão de Luís Morais e
Chico Serra a Djoy Delgado, passando por Danny Carvalho e Manuel d'Candinho, os três
últimos presentes em Bo Kin Cre, em que batuque, funaná, morna e coladeira não impedem
um toque de samba e salsa.
O disco traz uma faixa interactiva que pode ser vista no computador
- aspecto que uma vez mais faz de Gardénia uma pioneira na música cabo-verdiana - e que
apresenta fotografias, dados biográficos e discografia, karaoke e ainda um vídeo,
produzido pela própria Gardénia, com a interpretação de Melodias de Saudade,
composição sua cuja letra evoca justamente as mornas com que foi embalada em criança, e
que a acompanham desde então. Mornas que, na sua voz límpida, têm assegurada a sua
eternidade, geração após geração, como vem sendo até agora.