Imagem de Concertinas do Artesão
Italiano Castagnari
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Artur Fernandes (Danças
Ocultas)
Ao toque da Concertina
Espaço Fala-Só, em Lisboa, dia 29 de MarçoResponsável
pelo projecto Danças Ocultas, Artur Fernandes tem procurado desenvolver um importante
trabalho de divulgação de um instrumento que, não tendo tido origem no nosso
território, rapidamente se assumiu como um dos mais característicos da música
tradicional portuguesa.
Neste evento realiza-se uma viagem apaixonante ao som das múltiplas
'linguagens' que a concertina hoje assume, guiada por um dos seus mais brilhantes
executantes.
Concerto/Palestra que sugere uma viagem pelas Musicas Tradicionais (Funáná,
Cajum, Texmex, Vira, Chula, Valsa, Tango, Burrée, Mazurca, Chorinho, etc...)
Para conhecer um pouco melhor o projecto de Artur Fernandes, os "Danças
Ocultas", fique aqui com um artigo publicado no Jornal Expresso em 1998, na altura da
edição de "Ar", o segundo disco do grupo. |
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Danças Ocultas |
Sobre Danças Ocultas
Ares da serra, música pelas ruas
Artigo publicado no Expresso
em 1 de Agosto de 1998 por Jorge P. PiresViagem de Lisboa a Águeda, à descoberta do segundo álbum do grupo
Danças Ocultas, um trabalho em que a concertina é tanto objecto de tradição como
instrumento para experimentar novas ideias musicais.
Vai-se de Lisboa a Águeda por estrada, ouvindo o segundo álbum dos Danças Ocultas, e a
constatação fácil é que o local ideal para ouvir estes novos temas é o alto da serra,
quando Águeda surge lá em baixo, no vale, ao longe. Desce-se para a cidade, encontra-se
o edifício da Associação dorfeu (assim mesmo, em minúsculas), fundada pelos músicos
do grupo e que agora serve aos conterrâneos actualidades e agitação cultural em
profusão, incluindo aulas de música, de teatro, outras expressões.
Depois vai-se à janela do primeiro andar admirar a paisagem e ouve-se o som
inconfundível de uma concertina - mas desta vez na rua, com um tocador de meia-idade a
animar a inauguração de uma loja de fotografia.
É bonito pensar que ali a música anda pelas ruas e é óbvia a popularidade de que o
instrumento goza. Vem à memória a «vontade da concertina», de que se falava no encarte
do disco de estreia, e o fascínio pelos seus mistérios. Artur Fernandes observa: «A
concertina está muito divulgada no País Basco, mas quase não existe na Galiza. Também
não percebo bem porque está mais implantada no Norte do que no Sul. E há a questão do
nome do instrumento: por que razão é que lhe começaram a chamar concertina? Na Guiné,
chama-se gaita-de-fole.» O irmão Vítor (o «Bitocas», compositor, operador de som do
grupo e seu principal conselheiro) acrescenta: «Os instrumentos emigraram e andaram de um
lado para o outro, sempre pela mão dos tocadores. Os Danças Ocultas continuam a
viagem.» Depois, inesperadamente, recorda «O Homem da Gaita», de Zeca Afonso, história
de um «fole endiabrado» que não se sabe se pertenceria a uma gaita-de-foles, a um
acordeão ou a uma concertina: ao som do fole, até a mãe do juiz, entrevada há vários
anos, entrou a bailar na sala do tribunal, cantando: «Vá de bailar, vá de folia, que
há sete anos eu não mexia. Perdoa ao fole, filho juiz, dá-lhe o perdão que eu estou
feliz.» O que ilustra a inexorável vontade da concertina.
«Com o segundo álbum», diz Artur, «o repertório adensou-se: há mais diversidade
harmónica, rítmica e melódica, e o grupo tem maior maturidade de execução, o que nos
permite ir mais além. No primeiro disco, o repertório foi apresentado já escrito, e os
arranjos eram basicamente uma melodia acompanhada. O novo material resulta de um trabalho
em equipa, de experiências durante os ensaios, e inclui composições de todos os
elementos do grupo. Acima de tudo, há sempre uma sensação de grande inquietação da
nossa parte em relação ao repertório. Por vezes um arranjo dura uma época, por vezes
não.» Em suma, diz Filipe Cal, «para nós isto nunca está bem, estamos sempre a mudar
os arranjos, mas para que isso aconteça precisamos de estar a sós uns com os outros nos
ensaios».
O «Bitocas» percebe porquê: «O grupo precisa de criar o seu contexto próprio para
obter um resultado final, um compromisso. Depois da gravação do primeiro disco, e sem
saber quando gravariam o segundo, o que os foi motivando foi trabalharem uns com os
outros. O grupo foi-se moldando e sentiu cada vez mais a necessidade de trabalhar em
equipa, o que tem resultados bastante interessantes: o filtro das novas ideias passou a
ser maior e mais apurado, e o resultado final é mais Danças Ocultas e menos um conjunto
de composições de cada um.» Ou seja, «cada um tem de tocar de modo a convencer os
outros».
A importância do produtor Gabriel Gomes foi assim substancialmente alterada: «No
primeiro disco teve uma grande importância como produtor musical e bastante intervenção
relativamente aos formatos das músicas e à sua execução - e ainda bem. Neste segundo
teve maior importância como produtor técnico, embora tenha participado com indicações
para o arranjo de dois temas. Foi gratificante percebermos que, aos olhos dele, tínhamos
atingido a maturidade em termos de construção musical.»
A redistribuição e redefinição das funções passou ainda por uma maior atenção à
distribuição das vozes pelos quatro instrumentistas e pela criação de um instrumento
de tipo novo - uma concertina baixo. «Em Portugal não existem construtores de
concertinas», diz Artur Fernandes. «Existem alguns reparadores que montaram concertinas
a partir de materiais que já tinham. O Fernando Meireles, de Coimbra, que toca sanfona
nos Realejo, construiu uma concertina no modelo tradicional. Mas de uma maneira geral os
instrumentos que temos vêm da Alemanha e da Itália e são bons para um iniciado mas
estão longe de uma qualidade topo de gama. O problema da concertina baixo foi que
precisávamos de mais notas nos graves; então pegámos numa metade de concertina, só com
os baixos, e pusemo-la ao lado de uma outra parte de baixos, cujas notas alterámos em
cerca de meio tom.» Mas isto levanta problemas, pois as notas nem sempre ficam nos locais
mais apropriados à sua execução. «De qualquer modo, este instrumento só faz sentido
num grupo de concertinas, não se destina a um solista. Quem a usa essencialmente é o
Filipe Ricardo.»
Nos três anos que mediaram entre estes dois trabalhos, o grupo Danças Ocultas viajou por
Espanha, França, Bélgica, Marrocos; conheceu outros públicos, respondeu a diferentes
desafios. «Em San Sebastian estivemos no Festival de Novas Músicas, onde também já
esteve o Rodrigo Leão. Em Jerez de la Frontera actuámos num Festival Folk em recinto
fechado. Em Placenzia era um Festival Folk em recinto aberto. Estivemos na Expo-98, agora
vamos ao Festival dos Capuchos. Agrada-nos variar de público. Esta música não é feita
só a pensar em Portugal, e temos constatado que faz sentido em qualquer lado - o que o
grupo de facto impôs foi uma forma de tocar, um estilo. Mas também sentimos que
projectos como este são importantes para fazer despertar novos públicos. É verdade que
noutros países da Europa existe mais público para este e outros tipos de música - mas
apenas por estes circuitos existirem lá há mais tempo. Por exemplo, uma coisa que se
nota agora em Portugal e que há uns anos pareceria estranho é a quantidade de gente nova
que aparece nos concertos de música sinfónica - e vêem pessoas da mesma geração a
tocar, pelo que percebem muito depressa que aquilo também tem a ver com eles.»
Sai-se de Águeda ao som leve da «Escalada», uma homenagem a Piazzola. O disco novo
chama-se Ar. Artur diz: «É um ar com espaço. Um ar grande.» Uma altitude?
«Exactamente.» Jorge p. Pires (Jornal Expresso)
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