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Os 75 anos de
Carlos Paredes Carlos Paredes completa 75
anos, deixando para trás uma carreira de modéstia pessoal e de grandeza artística à
volta da Guitarra Portuguesa. Desde há seis anos que a doença o obrigou a deixar a
Guitarra, mas contra a ideia dele próprio em 1981 que "Daqui a uns anos, já
ninguém poderá ouvir esta música de guitarras. Isto vai passar" - hoje Carlos
Paredes é a grande referência na Guitarra Portuguesa.
As peças centrais da sua carreira resumem-se a três ou quatro LP, como Guitarra
Portuguesa (1967), Movimento Perpétuo (1971), Espelho de Sons (1988), mas que são todas
obras primas da música portuguesa.
Talvez a maior referência de Carlos Paredes seja "Verdes Anos", uma canção
escrita para o filme homónimo de Paulo Rocha, que inaugurou o chamado Cinema Novo
português, e segundo a "lenda" terá sido escrita a improvisar em frente à
tela, enquanto era projectado o filme - apesar de Carlos sempre ter afirmado que essa
composição era muitíssimo devedora de seu pai, Artur Paredes, atribuindo-lhe a autoria.
Sem nunca se dedicar à Guitarra como profissional, Carlos Paredes manteve ao longo da
vida o seu trabalho de arquivista de películas no Hospital de São José, apesar de
nenhum outro ter sido tão bom quanto ele.
Paredes é descendente duma importante linhagem de guitarristas portugueses do século XX.
O seu avô Gonçalo e o seu tio-avô Manuel já tocavam o instrumento por volta de 1900 e
o seu pai, Artur, foi o homem que revolucionou a guitarra de Coimbra, afastando-a
progressivamente, na técnica de execução e no próprio fabrico, da guitarra de Lisboa -
complexificou as interpretações, introduziu as variações na música popular,
apresentou a versão definitiva de Balada de Coimbra e ainda teve tempo para iniciar o seu
filho Carlos na arte da guitarra, tinha ele apenas quatro anos de idade.
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Fonte: Jornal Público
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Depoimentos de
Guitarristas
Jornal Público
de 16 de Fevereiro de 2000Mário Delgado:
uma grande inveja
O Carlos Paredes é um grande músico. Lembro-me que mesmo antes de eu tocar
guitarra, quando ouvia temas como "Verdes Anos" e nem sabia bem o que era - só
mais tarde me disseram que era o Carlos Paredes -, aquilo me fazia lembrar Portugal - por
não ser propriamente fado e ter aquele som característico da guitarra portuguesa. Sou um
músico de jazz e sinto uma grande inveja de não poder tocar uma coisa mais ligada ao meu
país.
O Carlos Paredes é uma influência para qualquer guitarrista, ele interpreta as
músicas com tanta devoção que ambicionar ser metade do que ele é já é ser muito bom.
Vi-o pela primeira vez na televisão: ouvia-se a respiração dele.
Pedro Caldeira Cabral: Guitarrista do século
Carlos Paredes é o guitarrista português mais importante deste século. Realiza a
primeira grande ruptura entre o instrumento popular de tradição oral e o instrumento de
concerto. Nenhum outro guitarrista tem uma ligação tão forte à contestação do
regime, e a música da guitarra de Carlos Paredes tornou-se um símbolo dessa
contestação. Depois do 25 de Abril decide incorporar alguma temática do neo-realismo. O
resultado já não é tão interessante, mas continua a ser uma guitarra com uma atitude
musical simbólica o que não acontece com mais nenhum compositor nem guitarrista. É
alguém que atingiu um estatuto de mito em vida, uma espécie de voz de um inconsciente
colectivo, que permitiu unir pessoas de leque ideológico muito diferente, como a
Amália."
Mário Pacheco: maior músico português
É o pai da moderna guitarra portuguesa. Apesar do meu pai também ter sido
guitarrista [António Pacheco, músico de Hermínia Silva], eu sou guitarrista por causa
do Carlos Paredes, pelo impacto que a música dele teve em mim. Apaixonei-me pela forma
diferente, moderna e inovadora como abordou a guitarra portuguesa. Foi também o meu livro
de estudo: como para a guitarra portuguesa não há métodos, para mim, a melhor maneira
foi entender e estudar a música do Carlos Paredes. Aceitei alguns conselhos dele em
relação à concepção que tinha da música e sobre a atmosfera e carácter que envolve
a música. Considero-o o maior músico português.
Gonçalo Pereira: perpétuo e eléctrico
Como leigo, ouvinte, músico e admirador, o Carlos Paredes representa para mim uma
das figuras de proa da música portuguesa, independentemente de estilos, épocas e
sonoridades. 'Usei-o' no meu disco como influência e ponto de referência para melhorar a
minha música e os meus ouvidos. Estou-lhe muito grato por isso. Nunca tive a sorte de o
conhecer pessoalmente mas fico feliz por existirem pessoas assim. A escolha de
"Movimento perpétuo" para o disco foi uma coisa despretenciosa, é um tema que
eu utilizava como um brinquedo, como uma forma de estudar o meu instrumento e de me puxar
mais para a frente.
Ricardo Rocha: a inspiração do momento
Tenho imensa admiração pelo Carlos Paredes, teve um papel importantíssimo na
história da guitarra. Mas não toco só guitarra, toco também piano e, portanto, a minha
visão da música é completamente diferente. Não tenho a possibilidade de cair no erro,
na felicidade ou na glória de ser influenciado por ele. Ele faz as coisas a pensar única
e exclusivamente na guitarra, o instrumento dele. É uma preocupação em fazer com que a
guitarra soe de uma forma única. É obsessiva, mas é linda, frenética. Toquei imensas
coisas do repertório dele. É excelente, é óptimo, dá imenso gozo tocar as coisas
dele, apesar de serem complicadas. Talvez por serem feitas de uma forma muito espontânea.
É algo de muito inspirado, não muito preocupado com a técnica musical. É mais [feita]
da inspiração que lhe vem no momento."
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