A Primeira Noite
XI Festival Intercéltico do Porto
Visto por João MaiaNo fim de
semana de 31 de Março a 2 de Abril, no Porto, decorreu mais uma edição (a décima
primeira, o que é de louvar) do Festival Intercéltico do Porto. Como já vem sendo
hábito, o ambiente deste certame foi mais uma vez distinto do que é normal ocorrer em
concertos esporádicos de música tradicional, não só pelos nomes dos participantes nos
concertos propriamente ditos, mas também pelas actividades paralelas como por exemplo a
exposição/feira de instrumentos tradicionais e as workshops de instrumentos tradicionais
(neste caso a guitarra portuguesa). Isto proporciona, para além da participação de
alguns curiosos e interessados por estas coisas da música tradicional, a presença
também de alguns músicos do meio, como por exemplo, os já habituais Artur Fernandes
(Danças Ocultas) e Fernando Meireles (Realejo). No que respeita à música propriamente
dita, a primeira noite foi de qualidade, o que já se esperava se se atendesse ao facto da
estrela principal dar pelo nome de Kepa Junkera.
A noite começou com os escoceses Ceolbeg. Seis elementos que dividiram entre si
uma harpa, um bouzouki, uma guitarra, uma bateria, uma gaita de foles e sintetizadores.
Este grupo revelou-se sólido na interpretação de jigs, reels, airs e outros temas
tradicionais, embora menos espetacular que alguns dos grupos semelhantes que já pisaram
os palcos do Porto (as referências mais recentes são, claramente, os irlandeses Dervish
e escoceses Deaf Shepard). A ideia que passou foi que os Ceolbeg são um grupo folk
normalíssimo, pese embora o esforço do gaiteiro de serviço (que alternou a Highland
Pipe com a Northumberland Pipe e com o Tin Whistle), sem dúvida o elemento mais
esclarecido e virtuoso dos seis. Foi uma actuação que, embora não sendo fabulosa,
serviu bem o propósito de animar a noite para o espetáculo que se avizinhava.
E que espetáculo! Kepa Junkera foi o senhor que se seguiu, e pode dizer-se que
esteve igual a si próprio. Não há, de facto, palavras para descrever os concertos deste
virtuoso basco da trikitixa (acordeão diatónico). Mesmo percorrendo quase sempre as
mesmas músicas (o alinhamento não mudou muito nos últimos três concertos que deu em
Portugal), a fenomenal interpretação, a energia, a forma como contagia o público, e o
improviso que Kepa coloca em cada actuação ao vivo faz com que os seus concertos sejam
verdadeiramente imperdíveis.
Kepa apresentou-se com aqueles que têm sido os seus companheiros de palco
ultimamente: Angel Unzu (bandolim e guitarras), Julio Andrade (contrabaixo e maracas),
Blas Fernandez (bateria), e Arkaitz Martinez e Igor Otxoa (txalaparta - instrumento de
percussão tradicional basco), o que beneficia o espetáculo devido a existir um maior
conhecimento dos músicos entre si. Na memória ficam, sem dúvida os fantásticos
improvisos de Kepa. Fabulosa a forma como consegue, no meio de um solo de trikitixa criado
'on the spot', descobrir maneira de começar a tocar uma música já conhecida de um dos
seus álbuns. Fantástico também o modo como consegue surpreender aqueles que já
conhecem o seu trabalho, com acordes diferentes do que foi gravado em estúdio, bem como
com fantásticas ligações entre músicas. Este concerto teve apenas um problema: foi
curto demais. Depois das apresentações de duas horas no Cantigas do Maio e na Aula
Magna, no ano passado, esperava-se mais do que apenas uma hora e meia de Kepa. De qualquer
maneira, ficou a confirmação de que um concerto de Kepa Junkera é algo que nenhum
verdadeiro amante de música (tradicional ou não) deve perder.
Para os mais resistentes a noite terminou no Café Concerto que decorreu depois
dos concertos principais. E terminou com dois grupos: as portuguesas Segue-me à Capela,
um grupo essencialmente vocal, embora algumas destas raparigas tocassem também adufe; e
os Shantalla. Quanto às primeiras pode dizer-se que fazem lembrar outros grupos vocais da
vizinha galiza como asLeilia, facto para o qual terá contribuído a sua interpretação
de temas tradicionais do Norte do país e da Galiza, como por exemplo o bem conhecido 'La
Sarandillera'.
Os Shantalla foram, por sua vez, uma surpresa extremamente agradável. Oriundo
da Bélgica mas composto por escoceses e irlandeses este grupo faz lembrar, na sua
composição e na forma como abordam alguns temas, os fabulosos Dervish. Também têm uma
vocalista que toca bodhran, um guitarrista, um flautista (este porém também toca uileann
pipes) e um violinista. E têm depois um verdadeiro 'multi-instrumentalista' tocador de
flauta, bouzouki e acordeão. A abordagem aos temas tradicionais é também muito próxima
à do conhecido grupo irlandês, muito embora se tenha assistido a alguns arranjos
opriginais muito bem conseguidos, e a alguns momentos bastante bons como por exemplo um
pequeno solo de bodhran tocado sem 'beater' (ou seja, só com a mão, o que não é muito
vulgar), e uma combinação muito eficaz de tin whistle com low whistle, o que também
não é muito comum.
Os Shantalla foram sem sombra de dúvida, uma óptima surpresa e uma óptima
maneira de terminar a noite.