Porto
Histórias Musicais para Crianças
História de babar, o elefantezinho e a menina do mar
Teatro Nacional de S.
João, dias 22 a 23 de Fevereiro de 2002, às 16:00h
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A partir de A Menina do Mar, Fernando
Lopes-Graça criou uma das mais gráceis obras de câmara da tradição portuguesa. Um
exercício sobre a dicotomia entre o mundo da terra e o mundo do mar, por vezes tão
distantes como o mundo dos homens e o mundo das fábulas.
A revelação da face luminosa e da face obscura desses dois mundos
e a aprendizagem da relação com o outro, que se processa através de um conhecimento
mútuo e de uma troca de saberes e de experiências.
Num movimento paralelo, também Francis Poulenc tomou uma obra de
referência da literatura infantil - História de Babar, o Elefantezinho - como matéria
para a criação de mais uma peça com os dotes particulares de subtileza e humanidade que
o caracterizam. Numa co-produção com o Teatro Nacional de S. Carlos, sob a direcção
musical de João Paulo Santos e narração da actriz Luísa Cruz, o TNSJ exercita assim
neste projecto o seu trabalho junto de públicos familiares.
As obras e a sua génese
Num dia de Verão de 1940, Francis Poulenc, que se encontrava hospedado em casa de
seus primos na localidade de Brive, tocava ao piano algumas das suas peças, quando a sua
sobrinha de quatro anos se aproximou dele e o interrompeu: «Estás a tocar uma música
tão feia... Toma esta», e estendeu-lhe o primeiro álbum de LHistoire de Babar, de
Jean de Brunhoff, que tinha sido editado há cerca de um ano. Poulenc, entusiasmado com a
ideia, começou a improvisar algumas notas seguindo as imagens divertidas e as aventuras
do pequeno elefante Babar perdido na grande cidade. Continuando com a brincadeira, Poulenc
dá seguimento à narração musical perante uma menina encantada e mais uns quantos
meninos que, entretanto, se foram aproximando curiosos por estar a ouvir uma música tão
diferente daquela que era habitual ao tio Francis.
Encorajado pela reacção das crianças, Poulenc decide passar a
composição ao papel, finalizando-a somente em 1945. Poulenc dedicaria a obra às onze
crianças que assistiram a este primeiro recital privado. Nasce assim uma das mais belas
composições musicais para crianças, numa altura em que o mundo era devastado pela
guerra.
Alguns anos antes, Fernando Lopes-Graça, em 1937, decide ir viver para França, e
instalar-se na Paris da Frente Popular, que influenciou significativamente o
jovem compositor português a prosseguir os seus estudos de composição, há pouco
terminados, e a entrar em contacto com a rica realidade de uma das maiores capitais
culturais daqueles tempos.
A estadia em Paris, embora breve, foi de uma importância
fundamental na parábola de composição de Lopes-Graça que, entre as suas várias
composições para crianças, criaria em 1959 um conto musical para voz recitante e
orquestra, A Menina do Mar, a qual foi revista em 1977 e adaptada para agrupamento de
câmara, baseado num conto da poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen, figura fortemente
atenta à complexa e difícil realidade social do seu e do nosso tempo, e desta forma
interessada pelo mundo dos contos.
LHistoire de Babar, de Poulenc, e A Menina do Mar, de
Lopes-Graça, são dois significativos textos musicais infantis. Em contraste com outras
peças análogas, não são meras composições destinadas, pela sua simplicidade
técnica, a jovens músicos, mas pelo contrário exigem notáveis capacidades de
execução. São dois contos musicais que os adultos podem recriar para as crianças na
condição de se deixarem levar pelo mesmo fascínio que surpreendeu o próprio Poulenc,
quando sentado ao piano rodeado pelos seus nove sobrinhos e mais duas crianças amigas.
Foi com este objectivo em mente que o Teatro Nacional de São
Carlos e o Teatro Nacional S. João do Porto uniram esforços para conceber e concretizar
este projecto, entregando à palavra recitada e à música esta inexaurível sede de
contos que está na origem e na razão de ser do próprio teatro. Estou convicto de que as
iniciativas destinadas às escolas e ao público mais jovem não podem ser pontuais ou
ocasionais na actividade da programação, mas deverão sempre ocupar um lugar de destaque
nas actividades dos teatros.
Da mesma maneira como as duas obras referidas representaram, na
vida dos dois compositores, um sério empenho de composição e não apenas meros momentos
de evasão. Estou grato ao José Wallenstein por esta primeira colaboração entre os
nossos teatros, um deles dramático e outro lírico, colaboração esta que nasceu sob o
signo da voltaireana candura /pureza/ ingenuidade que nem só as crianças
possuem.
Paolo Pinamonti
(Director do Teatro Nacional de São Carlos)