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MODAS: 1.Salsa Berde 2.Cantiga de Torregamones 3.Ainita 4.Deolinda 5.Helena 6.Coquelhada Marralheira 7.Manolo Mio 8.Manolo 9.Riu Piu Piu 10.Ro Ro 11.BaiPedroBai 12.Maganão 13.Que Festa Nós Faremos 14.Las Alparcatas 15.Fiz Ia Cama na Moreira 16.Cantiga da Segada RIMANCES: 17.Isabel 18.D. Fernando 19.D. Jorge 20.Dona Anja 21.Calies de S. Francisco 22.Chin Glin LHAÇOS: 23.Balentina 24.Senhor Mio 25.Palombitas 25.Padre Antônio 27.Carrascal de Bobadilha 28.Bilhano de Zamora 29..La Berde 30.Ofícios

Gravação: 24 de Novembro de 1998 - Feixenosa - Miranda do Douro)
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Dossier Sons da Terrra
Clementina Rosa Afonso
Modas, Lhaços e Rimances

Raiç e Tradiçon    
Na demanda dos sons da terra, rumámos para onde a paisagem entra nos olhos e não sai mais (Miguel Torga) e as pessoas se tornam amigas e não mais se esquecem. Mirandeses d'ias arribas, gente que se confunde com a própria natureza, numa simbiose tão profunda como impenetrável, da qual emerge uma cultura de seculares origens que é seiva intemporal de uma identidade resistente que a memória colectiva oralmente transmitiu ao longo dos tempos.

A Senhora Clementina Rosa Afonso, uma mirandesa d'las arribas, com 68 anos de surpreendente vitalidade e desenvoltura, é um verdadeiro cancioneiro vivo, capaz de suspender a marcha inexorável do tempo quando a sua prodigiosa memória nos revela preciosos tesouros da mais autêntica e expressiva cultura popular mirandesa.

Freixenosa é uma aldeia de arraigadas tradições musicais e festivas, onde pontificou o tão célebre como mítico gaiteiro Tio Pepe, bisavô de Ciementina Rosa Afonso. Em casa de seus pais, a Senhora Ciementina sempre desfrutou de um ambiente de grande alegria, tendo aprendido com sua mãe todas as cantigas do Tio Pepe e demais repertório tradicionalmente interpretado, cantado e bailado: cantigas e modas de baile, contos e rimances, histórias e lendas, anedotas e adivinhas, loas e orações.

Hoje tudo é diferente dos tempos da sua adolescência e juventude, recordando com um certo brilhozinho nos olhos as festas na aldeia, com canções e bailes, as fogueiras comunitárias e os fiadouros, as noites passadas em frente das lareiras desfiando histórias e rimances, as festas natalícias com seus cantos e orações... Precisamente todo um vasto repertório que Ciementina Rosa Afonso nos transmitiu de um só fôlego.

Por razões de natureza programática foram deixadas em arquivo as recolhas de contos e de histórias, de anedotas e de adivinhas, de loas e de orações, tendo-se optado por "apenas" se incluir uma parte muito significativa dos espécimes musicais da tradição oral mirandesa: cantos e modas, rimances e lhaços de pauliteiros.
De realçar a inclusão de vários espécimes nunca antes recolhidos elou gravados que tivemos o grato privilégio de registar durante este encontro com a alma mirandesa profunda de Ciementina Rosa Afonso, uma mirandesa dlas arribas que é uma força telúrica da natureza verdadeiramente única e singular.

Modas    
Abundam no cancioneiro mirandês as modas e os cantos interpretados durante os fiadouros, as mondas, as segadas, as tosquias e demais tarefas cíclicas das comunidades rurais, constituindo um verdadeiro tesouro de inestimável valor cultural. São cantos e modas que animavam os bailes nos terreiros e os longos serões mirandeses, amenizando a vida das gentes de uma terra que se habituou a ter três meses de inferno e nove meses de inverno.

Ciementina Rosa Afonso apresenta um notável repertório destas modas e destes cantos mirandeses, com destaque para espécimes inéditos, como Salsa Berde, Ainita, Coquelhada Marralheira, Las Alparcatas e Que Festa Nós Faremos. São cantigas bem expressivas da tradição oral, algumas das quais exibindo traços bem expressivos das seculares relações das gentes mirandeses com as áreas leoneso-zamoranas. E se esse ancestral diálogo intercultural surge bem claro numa composição como Las Alparcatas ou Coquelhada Marralheira (coquelhada é nome de pássaro que esvoaça com irrequietude na área do planalto mirandês), está do mesmo modo manifestamente testemunhado em Ainita (nome dado à calabaça, cabaça cheia de vinho que passa de mão em mão para aconchegar o estômago e animar o espírito durante os momentos de convívio nos serões mirandeses).

No que se refere a modas de baile, não podemos deixar de referendar a inclusão de espécimes relativamente aos quais se impoem algumas notas explicativas: Riu Piu Piu, uma dança com coreografia do tipo repasseado, bailado de terreiro eminentemente rural cujas origens poderão ser anteriores ao século XVII, mas também canção mirandesa com a particularidade de a respectiva letra não ser mirandesa mas sendo habitualmente cantada em mirandês; Maganão, uma dança do tipo paralelo ou de coluna, com o ritmo de 214 bem característico da área leoneso-mirandesa, também recolhida pelo Padre Firmino Martins em terras de Vinhais; Deolinda, uma moda de baile também designada Biolinda, frequentemente interpretada durante os peditórios para as festas dos patronos, mas também cantada duran ' te as ceifas e as segadas e, sobretudo, nos fiadouros.

Destaque muito especial para duas toadas infantis: Bai Pedro Bai, uma cega-rega sob a forma de moda bailada a dois que a Senhora Ciementina Rosa Afonso diz ter cantado e bailado nos terreiros, com um ritmo que, de algum modo sugere o toque dos sinos "contra" as trovoadas; e Ro Ro, uma toada de berceuse sob a qual se disfarça uma canção de adultério, como resulta da análise da própria letra: chegado o amante, a mulher adúltera informa-o que o pai do filho se encontra em casa e deitado na cama, dirigindo-se para tal efeito ao filho e invectivando o amante, que parece não a perceber para, desaparecer - Cabeça de burro/ bocê num mantende?/ el pai de l ninho na cama 'stende...

Canções e modas que se interpretavam quer durante os fiadouros quer no decurso das mais variadas tarefas agrícolas, assim como nos bailes e nos serões, eram também Salsa Berde (precioso espécime inédito), Cantiga de Torregamones (do mesmo modo nunca antes gravada), Helena (canção que já foi romance), Manolo Mio (composição da qual recolhemos duas variantes), Que Festa Nós Faremos (tanto quanto nos é dado saber um tema inédito), Cantiga da Segada (muito popular em toda a região) e Fiz,, La Cama na Moreira (espécime do qual Antônio Mourinho recolheu variante em 1953, em Duas Igrejas, dando-lhe o título de Querida Júlia).

Rimances
Constituem acervo de enorme valor cultural os velhos rimances que a memória dos mais idosos teima em preservar. Com o decorrer dos tempos e por força das alterações da vida das gentes das comunidades rurais mirandesas, muitos destes rimances foram perdendo o seu carácter narrativo original, transformando-se em quase-cantigas (o que tem igualmente muito a ver com a perda da respectiva funcionalidade expressiva e consequente processo de lenta e irreversível perda de memória). Helena, por exemplo, que foi um romance muito popular na zona mirandesa das arribas (ao que tudo indica constituindo uma variante/ versão da castelhana temática de Santa Iria), encontrando-se hoje na @nemória que nos foi transmitida pela Senhora Ciementina Rosa Afonso reduzida a uma típica canção. Noutros espécimes, como é o caso de Chin Glin, na origem um romance vilanesco (para usarmos a classificação de Menendez Pidal), de razoável extensão estrófica, evidencia fase terminal de ruptura com os cânones tradicionais do romance.

Apraz-nos registar a inclusão de um espécime inédito, Calles de S. Francisco, um singular rimance de cativos. Acresce que o espécime aqui designado de Dona Anja constitui uma variante de Dona Ana ou Dona Ancra, rimance do qual se dispõe já de preciosas recolhas e registos, nomeadamente os que foram efectuados por Michei Giacometti (em lfanes) e Antônio Mourinho (erh Sendim e S. Martinho de Angueira).

Uma referência para o romance Isabel, que a Senhora Ciementina Rosa Afonso afirma ter aprendido de sua mãe e que fazia parte do repertório do Tio Pepe. Além dos romances já referidos, incluíram-se também interpretações de D. Femando e D. Jorge; ambos espécimes amplamente conhecidos em quase todo o território português.

Lhaços
Uma das mais expressivas manifestações da música tradicional e popular mirandesa são, sem dúvida, os lhaços, designação local para as danças dos pauliteiros, os quais apresentam considerável variedade melódica e temática.

A Senhora Clementina Rosa Afonso revela possuir um conhecimento muito vasto (mas por vezes algo fragmentário) deste significativo repertório de lhaços, tendo sido por nós seleccionados oito espécimes: de motivo religioso (Senhor Mio e Patombitas), de motivo amoroso (La Berde), de motivo agrícola (Padre Antônio), de motivo descritivo-profissional (Ofícios), de motivo maidicente (Balentina) e de motivo banal e vulgar (Carrascal de Bobadilha e Bilhano de Zamora). De registar as pequenas variantes que apresentam as interpretações da Senhora Ciementina relativamente a outras recolhas efectuadas.

Destaque obrigatório para dois lhaços atribuídos ao Tio Pepe, Balentina e Bilhano de Zamora. Aquele foi espécime composto para uma mulher de Freixenosa, de seu nome Valentina ou Balentina, que andava dizendo que não daria aos dançadores a esmola para a festa de Santa Bárbara. O último mereceu de Antonio Mourinho esciarecedor comentário: Este lhaço apresenta uma letra que é um cerrado ataque pessoal a uma mulher de Freixiosa. Esta letra foi criada por um gaiteiro muito célebre que viveu naquela povoação, Tiu Pepe, que como profissional da gaita de fole é elogiado por toda a gente que o conheceu, e eu ainda o conheci. De espírito vivo e repentista, percorreu os três concelhos de Miranda, Mogadouro e Vimioso a tocar nas festas de primavera, de fim de verão e de inverno e porque a vizinha, além de ser brigona era ladra e fuitava-lhe os figos, compôs-lhe um lhaço... Mário Correia

 

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