Sons do Mundo
Dazkarieh
O Feitiço dos Sons
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Por: João MaiaPrimeiro
invadiram os palcos, agora é a vez da aparição em disco. Aparição de muitos
espíritos musicais, que povoam o imaginário deste colectivo - cujo nome inventado, auto
define uma viagem por muitos mundos imaginados, repletos de feitiços de sons.
Os Dazkarieh são a mais recente surpresa na música de raiz tradicional feita
em Portugal, embora se possa considerar que são uma surpresa apenas para os mais
desatentos, porque quem está ligado a estas músicas decerto que já se deixou
enfeitiçar por estes magos dos sons em festivais como o Andanças, ou a Festa do Avante.
Depois de persistirem durante algum tempo em se ficarem pelas actuações ao vivo, eis que
finalmente gravam o seu primeiro trabalho discográfico cujo título partilha o nome do
próprio grupo.
Mas o que significa então esta palavra 'Dazkarieh' ? Segundo o texto que
acompanha o disco, é uma 'palavra mágica de origem praticamente desconhecida. Talvez
signifique o arrebatar de energias que se dá quando vários mundos, essências e
influências se tocam, capaz de nos fazer fluir por momentos intimistas e outros de grande
expansividade'. Não poderia ter sido escolhida melhor definição, não só para a
palavra, mas essencialmente para a música deste grupo. No seu repertório, os Dazkarieh
viajam pelo universo musical do Mediterrâneo, do Norte de Portugal e da Galiza, do Médio
Oriente e de África. Aí recolhem os sons que conjugam em temas que tanto conseguem ser
calmos e introspectivos (a lembrar nomes como Dead Can Dance ou, a espaços, Madredeus),
como, de súbito, transformar-se por completo em verdadeiras explosões de energia e
ritmo, onde a componente emotiva nunca deixa de estar presente.
E embora esta alternância entre intimidade e emotividade seja visível em
praticamente todo o disco, é no segundo, terceiro e quarto temas do disco, o fantástico
tríptico 'Kriamideah', que ela se revela em toda a sua excelência. Primeiro somos
convidados, hipnotizados até, pelo ambiente íntimo e contemplativo criado por
intermédio da guitarra, do violoncelo, de algumas percussões suaves, e da fantástica
voz de Marie Beatriz Lúcio. Mas à medida que os sons nos vão envolvendo vamos ficando
com a sensação que há mais qualquer coisa a descobrir até que, finalmente somos
completamente arrebatados pelo ritmo crescente marcado pelos tambores africanos, pelas
ponteiras, e pela voz já quase tribal, que nos levam a um transe do qual não desejamos
sair.
Não são necessárias muitas audições a este disco para facilmente se
perceber que os Dazkarieh levam o seu trabalho muito a sério. Todos os temas funcionam
extremamente bem, nomeadamente na forma perfeita com que instrumentos de origens tão
distintas comunicam entre si. Os arranjos são de uma qualidade que demonstra bem o
empenho e o gosto pela música que foram colocados na gravação de cada tema. Só é pena
que o disco seja algo curto, até porque os Dazkarieh têm mais temas, que costumam
utilizar nas suas apresentações ao vivo, e que optaram por deixar de fora. Mas também
se compreende que assim seja, dadas as condicionantes que envolveram a gravação do
disco.
Como é normal para quem se inicia por estes caminhos, os músicos debateram-se
com várias dificuldades de ordem logística na gravação deste trabalho e foi
necessária a colaboração e o apoio de vários amigos, para que ele acabasse por ver a
luz do dia. Podemos, portanto, dizer que estamos na presença de um trabalho só tornado
possível graças à amizade e ao amor pela música. E como acontece com todos os
trabalhos feitos com amor, mais cedo ou mais tarde os resultados acabam por aparecer.
Esperemos sinceramente que apareçam, e que sejam bons, porque fazem falta, no actual
panorama musical português, projectos como este.
João Maia