Gaita de Foles em Portugal
Pesquisa realizada pela Associação Cultural Pauliteiros
de Miranda Quem desejar alargar os seus
conhecimentos sobre a gaita de foles no nosso país, deverá consultar a
"Bíblia" dos instrumentos tradicionais portugueses da autoria de Ernesto Veiga
de Oliveira e cujo titulo é "Instrumentos Musicais Populares Portugueses". É
de referir que esta obra se encontra inexplicavelmente esgotada uma vez que a sua ultima
edição aconteceu à 20 anos.
Logo no inicio desta obra pode-se ler uma definição genérica da gaita de foles seja ela
escocesa, norte africana ou portuguesa:
«A gaita de foles é um aerofone especial, composto essencialmente de um tubo melódico e
as mais das vezes de outro, pedal, munidos de palhetas que soam pela passagem do ar,
soprando não directamente pela boca, mas de um reservatório a eles ligado, que se enche
por meio de insuflador com válvula (1).»
Quanto à sua distribuição em Portugal na altura do seu estudo (década de sessenta) :
«A gaita de foles encontra-se ainda hoje, com aspectos muito diferenciados, em duas
regiões portuguesas distintas; no Alto Trás-os-Montes, de Chaves a Freixo de Espada à
Cinta enormemente nas zonas fronteiriças (Miranda do Douro), norte e leste, e nas terras
baixas ocidentais, do Minho ao Tejo. Nesta ultima zona distinguem-se três áreas que
mostram traços diversos: o Alto Minho, a região de Coimbra e a Estremadura até
Lisboa.»
Ernesto Veiga de Oliveira começa por fazer uma descrição do instrumento gaita de foles
que se utiliza em Portugal: «Naquelas diferentes áreas - transmontana, minhota, coimbrã
e estremadura - a gaita de foles é estruturalmente do mesmo tipo fundamental, notando-se
contudo, de umas para outras, diferenças de pormenor mais ou menos consideráveis em
alguns dos seus elementos constitutivos.
O saco - ou fole - era tradicionalmente de pele de cabrito, cabra ou carneiro, e hoje,
mais geralmente, de borracha, muitas vezes mesmo de uma velha câmara de ar pneumático de
automóvel, revestido em ambos os casos de qualquer forro em pano de cor mais ou menos
modesto- a vestimenta (Barreira-Condeixa), para o embelezar um pouco e evitar que, em
contacto com ele, a roupa se manche; e tem aplicados três buracos, do pescoço e das
patas da frente - ou lugares correspondentes nos sacos de borracha - três encaixes ou
bocais de madeira, onde entram o insuflador ou assoprete, o tubo melódico ou ponteiro e o
bordão, ronca ou roncão, ficando a meio, no bocal do pescoço, umas vezes o assoprete,
outras o ponteiro.
O saco coloca-se sob o braço esquerdo, que o aperta com o cotovelo para expulsar o ar
insuflado pelo assoprete, o qual, assim expelido sob pressão, sai pelos dois tubos
sonoros, ponteiro e roncão, passando através das palhetas que estes encerram, fazendo-as
soar.
No assoprete, distinguem-se duas partes, que correspondem às suas extremidades:
por um lado a boquilha, que se mete à boca e por onde se sopra; e no outro extremo,
talhado de madeira da própria peça, um pequeno cano que entra no bocal respectivo do
saco; na ponta desse cano fica uma válvula elementar, a bucha, simples rodela de couro
fino e flexível, pregada por um lado à espessura do cano, que deixa entrar, mas não
sair o ar que se insufla para o saco.
O ponteiro ou ponteira é cónico, exterior e interiormente a alargar para fora,
espalmando-se mesmo em campânula na ponta; ele encaixa no bocal respectivo por um cano,
também da mesma peça que ele, como o do assoprete, e fica voltado para a frente e para
baixo; tem oito buracos melódicos - um mais pequeno e agudo, à saída do bocal do saco,
do lado de baixo, para o polegar esquerdo; seis alinhados a seguir, no lado de cima, de
calibres crescentes e em escala descendente do bocal para a campânula, para os três
dedos intermédios da mão esquerda (o mínimo não actua e fica no ar) e, seguidamente,
para os mesmos dedos, em ordem inversa, da mão direita) o polegar desta também não
actua e apenas ajuda a amparar o ponteiro, por trás) e o último para o mínimo da mão
direita, geralmente também mais pequeno e um pouco desviado do alinhamento dos demais, de
acordo com o próprio comprimento menor do dedo que lhe corresponde (22); junto à
campânula, finalmente, há dois, três ou mesmo quatro (conforme o gosto do gaiteiro)
buracos cruzados, não melódicos e apenas sonoros, que afinam a sonoridade daqueles mas
que não soam só por si.
O bordão, roncão, ronca ou ainda ronco é, nas gaitas de foles portuguesas,
sempre único e sai para trás, pousando no ombro esquerdo do gaiteiro; ele é de tubo
cilíndrico e compõe-se de três peças, ou lanços (Vila Franca de Lima), que encaixam
no saco e umas nas outras pelo mesmo sistema de canos e bocais: a primeira é a ombreira
que pousa sobre o ombro, cujo cano entra no bocal respectivo do saco; a seguir é a
intermeia (Travanca do Mogadouro) ou terceira (de terço) (Gestosa, Lomba de Vinhais),
cujo cano entra no bocal da ombreira ; e finalmente a copa, boca, ou bordão (Travanca do
Mogadouro e Aveleda de Bragança), cujo cano entra no bocal da intermeia e cuja boca
terminal se alarga geralmente num toco espesso e pesado - a copa propriamente dita - O
ponteiro, no topo do cano que entra no bocal do saco, é munido de uma palheta dupla do
tipo de oboé, feita de duas linguetas de cana em forma de unha, em terras de Miranda do
Douro e Mogadouro por vezes espalmadas em leque, muito aguçadas, atrás, que se amarram
por esse pedúnculo, cada qual de seu lado de um pequeno tubo de metal; em terras de
Vinhais, acima deste tubo vê-se um pequeno pauzinho que atravessa e aperta as duas
linguetas, para melhor as manter na sua posição.
O roncão é também munido de palhetas, que se insere do mesmo modo no topo do
cano que encaixa no bocal do saco; mas aqui ela é do tipo de clarinete, simples, de
batente e igualmente de cana, feita de um pequeno sector circular, onde se rasgou, junto
ao nó, uma lingueta comprida, sem a destacar da base. As palhetas inserem-se nos canos do
ponteiro e do roncão (não sendo por isso tocadas pelos lábios) de modo que as linguetas
fiquem voltadas para o saco. Elas constituem na verdade a alma da gaita e são, na maioria
dos casos, feitas pelos próprios gaiteiros, laboriosamente, por tentativas; há alguns
mais habilidosos e especializados que as cedem ou vendem aos demais; por vezes mandam-nas
vir de fora, designadamente da Espanha, por intermédio de outros gaiteiros seus
conhecidos.
As peças de madeira - assoprete, roncão, ponteiro e bocais - são sempre
enriquecidas com torneados, que nas duas primeiras são geralmente muito profusa. Como
elemento decorativo característico, as gaitas de foles mostram sempre as franjas que
pendem do bordão, e que pendem do bordão, e que rematam, perto da copa deste, pela
borla, do mesmo material, mas por vezes de cor diferente.»
Sobre a escala dada pelo ponteiro
«A extensão sonora do ponteiro, das nossas gaitas, é
reduzida,: apenas nove notas, abrangendo uma oitava e mais a sensível da oitava anterior
grave...»
«Na maioria das vezes, a escala desse ponteiro, em relação à escala diatónica,
apresenta certos desvios e peculiaridades, intervalos microcromaticos, etc., cuja
verdadeira definição e natureza oferecem duvidas e que têm sido interpretados
diferentemente.»
«...nota-se uma certa diferença entre as gaitas transmontanas «nas e as das terras
ocidentais: estas parecem estar de modo mais sensível na linha diatónica, embora mostrem
pequenos desvios. As transmontanas são antes, aparentemente do tipo modal ou para-modal e
mostram igualmente pequenos desvios.» O ronco por sua vez emite continuamente a mesma
nota que deve afinar duas oitavas abaixo da tónica do ponteiro.
A quem não tenha ficado satisfeito com estes extractos e esteja interessado na gaita de
foles no nosso pais aconselho vivamente a consulta desta obra de Ernesto Veiga de
Oliveira, numa biblioteca é claro, pois como já referi, esta se encontra esgotadíssima.